[POESIA] Cinco poemas de Luis Alberto de Cuenca por Nelson Santander

O DESJEJUM

Gosto quando dizes disparates,
quando fazes asneiras, quando mentes,
quando vais às compras com tua mãe
e chego atrasado ao cinema por tua culpa.
Gosto mais quando é meu aniversário
e me cobres de beijos e bolos,
ou quando estás feliz e dá para notar,
ou quando és genial com uma frase
que resume tudo, ou quando ris
(teu riso é uma ducha no inferno),
ou quando me perdoas um esquecimento.
Mas eu ainda gosto mais, tanto que quase
não posso resistir ao tanto que te gosto,
quando, cheia de vida, despertas
e a primeira coisa que fazes é dizer-me:
“Estou morrendo de fome esta manhã.
Vou começar por ti o desjejum”

—————————————————————–

O SAGRADO

A maquiagem é suspeita, sempre.
Tu, recém-saída da cama,
sem nada além de teu glorioso
corpo gasto pelas decepções
e pelos desenganos, mas ereto
como uma árvore ao vento da vida
que arrasta tudo pela frente:
essa é a minha religião, a única
visão do sagrado que conheço.

—————————————————————–

O VÉU PROTETOR

Amanheceu e nós estávamos dentro
da vil realidade, o que não pode
ser bom. Melhor seria que passassem
logo as horas inúteis em que o dia
proscreve a aventura com as normas
do tédio laboral, e que voltassem
a noite e as suas estrelas a envolver-nos
no seu véu fantástico e a dar-nos
a inútil sensação de estarmos vivos.

—————————————————————–

“COLLIGE, VIRGO, ROSAS”

Moça, colhe as rosas, não esperes a manhã.
Corta-as velozmente, desaforadamente,
sem parar para pensar se elas são más ou boas.
Que não sobre nenhuma. Poliniza os rosais
que encontrares em teu caminho e deixa os espinhos
para tuas colegas do colégio. Desfruta
da luz e do ouro enquanto podes e consagra
tua beleza a esse deus gordo e melancólico
que anda pelos jardins instilando veneno.
Goza lábios e línguas, acaba-te com gosto
com quem saíres e não permitas que o outono
apanhe-te com a pele seca e sem um homem
(pelo menos) comendo-te a essência da alma.
E que a negra morte prive-te do que viveste.

—————————————————————–

ABRE TODAS AS PORTAS

Abre todas as portas, a que conduz ao ouro,
a que leva ao poder, a que esconde o mistério
do amor; a que oculta o segredo insondável
da felicidade, a que a vida te oferta
para sempre no gozo de uma visão sublime.
Abre todas as portas, sem te mostrares curioso,
nem dar importância às manchas de sangue
que salpicam as paredes das salas
proibidas, nem às jóias que revestem os tetos,
nem aos lábios que na sombra buscam os teus,
nem à palavra sagrada que intimida dos umbrais.
Desesperadamente, civilizadamente,
contendo o riso, secando as lágrimas,
nas bordas do mundo, no final da jornada,
não hesites, meu irmão: abre todas as portas.
Embora nada haja dentro.

Deixe um comentário

Site desenvolvido com WordPress.com.

Acima ↑

Crie um site como este com o WordPress.com
Comece agora